A Justiça, enquanto função estatal, é um monopólio do Estado, exercida na figura do juiz, que atua como representante desse poder na aplicação da lei e na resolução de conflitos. Os magistrados são os únicos detentores do poder de julgar ações judiciais e, para assegurar que exerçam essa função de maneira imparcial e independente, o legislador lhes conferiu diversas prerrogativas. A ideia é que, ao passar por um processo rigoroso de seleção e formação, o juiz, imbuído da autoridade do Estado, seja o responsável por garantir que as decisões judiciais sejam fruto de análise profunda e tecnicamente embasada, livre de influências externas.
Magistrados passam por um processo rigoroso de seleção que justifica, ao menos em parte, as prerrogativas que lhes são conferidas. O ingresso na magistratura exige a aprovação em um concurso público de altíssimo nível, que compreende diversas fases eliminatórias e classificatórias. Entre essas etapas estão a prova objetiva, provas discursivas, a prova oral, exames de títulos, além da investigação de vida pregressa e exames psicotécnicos. O candidato aprovado demonstra não apenas conhecimento técnico-jurídico aprofundado, mas também uma capacidade intelectual e emocional que o habilita a julgar de forma justa e imparcial.
Após a aprovação no concurso, os novos magistrados ainda passam por uma fase de treinamento prático e teórico nas Escolas da Magistratura, onde são preparados para enfrentar as complexidades do cotidiano judicial. Esse processo de formação inicial visa assegurar que os juízes adquiram visão sistêmica e humanística do direito, desenvolvendo habilidades técnicas para a fundamentação jurídica de suas decisões, bem como competências para lidar com a administração da justiça e a gestão de conflitos.
Toda essa preparação, que envolve anos de estudo e rigorosos critérios de avaliação, é o que justifica as prerrogativas como a vitaliciedade, inamovibilidade, foro por prerrogativa de função e a irredutibilidade de vencimentos. A ideia subjacente é que, uma vez que os magistrados foram submetidos a um processo seletivo altamente criterioso e demonstraram capacidade técnica e moral elevada, devem estar protegidos contra influências externas que possam afetar sua atuação imparcial. Essas garantias existem para que possam exercer suas funções com total independência, livres de pressões políticas, sociais ou econômicas.
Surge, então, uma reflexão interessante. Não se pode ignorar que, na prática, grande parte das decisões judiciais é elaborada ou minutada por assessores e funcionários das Varas Judiciais, que, embora sejam parte essencial do funcionamento de um Judiciário sobrecarregado, não passaram pelo mesmo rigor de seleção e treinamento dos magistrados, tampouco gozam das mesmas prerrogativas. Muitos assessores foram aprovados em concursos de nível técnico ou médio, ou foram indicados pelo próprio magistrado, sem o mesmo grau de exigência e fiscalização que se aplica ao ingresso na magistratura. Portanto, não passaram pelo mesmo crivo rigoroso de seleção e formação que um juiz.
Não se questiona a capacidade técnica ou a profundidade de conhecimento desses profissionais imprescindíveis ao funcionamento do Sistema Judiciário, em sua maioria extremamente qualificados e dedicados a um Poder Judiciário cada vez mais sobrecarregado e carente de recursos humanos. Mas isso não muda o fato de que a intenção do legislador de conferir prerrogativas aos magistrados e o fundamento de proteção subjacente a essas garantias visou assegurar que apenas juízes, imbuídos do poder do Estado e altamente qualificados, tomem decisões judiciais. Esse sistema é baseado na premissa de que o magistrado, após passar por um processo rigoroso de seleção e formação, é o único detentor da competência técnica e da imparcialidade necessária para proferir decisões que afetam os direitos dos cidadãos.
O problema é que, ao contrário dos magistrados, funcionários das Varas são teoricamente mais vulneráveis a influências políticas, econômicas, pressões externas ou até mesmo a pressões exercidas por superiores hierárquicos. Essa situação pode comprometer a imparcialidade e a qualidade das decisões, o que gera um cenário de potencial fragilidade na integridade do processo decisório.
Além disso, não se vislumbra, no horizonte próximo, a realização de concursos públicos em quantidade suficiente para suprir a demanda crescente por novos juízes, dada a restrição orçamentária e a complexidade da expansão do quadro de magistrados. Ao mesmo tempo, não há sinais de uma redução significativa no número de casos que chegam ao Poder Judiciário, o que faz com que a delegação de tarefas continue sendo uma necessidade operacional.
Diante disso, permanece a reflexão: até que ponto o atual modelo está preservando a legitimidade e imparcialidade que a função jurisdicional exige, quando decisões são redigidas por quem não goza das mesmas prerrogativas e garantias que quis o legislador?
Autor: Thiago Rodrigues Pianta