Dano moral ante a negativa indevida de indenização securitária

A negativa indevida de indenização securitária não se configura tão somente como um descumprimento contratual, pois viola elementos intrínsecos ao instituto do seguro, cuja finalidade primordial é proporcionar segurança ao segurado diante de riscos e infortúnios. Ao contratar uma apólice, o consumidor deposita confiança legítima na empresa seguradora, acreditando que, caso ocorra o sinistro, haverá a compensação necessária para atenuar as perdas experimentadas. Quando a seguradora recusa injustificadamente o pagamento da indenização, ela atenta contra esse pilar fundamental, causando incerteza, frustração e desamparo a quem já se encontra em situação de vulnerabilidade em decorrência do próprio evento danoso.

Não se pode ignorar que essa recusa arbitrária, além de gerar prejuízos econômicos, afeta o equilíbrio emocional e psíquico do segurado, que se vê forçado a buscar soluções junto ao Poder Judiciário para satisfazer um direito que, pela natureza do contrato de seguro, deveria ser respeitado espontaneamente. O contrato não visa apenas recompor perdas materiais; ele incorpora valores de boa-fé, lealdade e transparência, típicos das relações de consumo, encontrando respaldo no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e no Código Civil. O CDC, em especial, reforça a necessidade de proteção ao consumidor, parte hipossuficiente, e impõe à seguradora deveres de clareza e boa-fé objetiva, cristalizados em dispositivos como o art. 4º (que trata dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo) e o art. 6º (que elenca os direitos básicos do consumidor, incluindo a informação).

No plano contratual, o art. 757 do Código Civil dispõe que, mediante o pagamento do prêmio, o segurador se obriga a garantir o interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados. Esse compromisso revela-se um dos sustentáculos da função social do seguro, pois assegura a tranquilidade necessária para enfrentar eventualidades cotidianas. Quando a recusa se baseia em fundamentos frágeis ou inexistentes, o ato desvirtua o caráter protetivo do contrato, sublinhando o aspecto abusivo da conduta da seguradora. Nesse sentido, a negativa arbitrária fere o princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), uma norma cogente que exige comportamento leal, honesto e cooperativo entre as partes, e contraria o princípio da transparência (CDC), o qual visa garantir ao consumidor pleno conhecimento das condições de cobertura e de seus direitos em caso de sinistro.

A configuração do dano moral não se limita, portanto, a contrariedades menores ou aborrecimentos triviais, mas emerge da ruptura abrupta das expectativas legítimas depositadas pelo segurado ao contratar a cobertura. O impacto psicológico advindo da recusa injustificada não se restringe ao desgaste de ter de custear ou arcar com o prejuízo do sinistro, mas também ao estresse e às angústias decorrentes da necessidade de buscar soluções administrativas ou judiciais. Esse processo, muitas vezes longo e oneroso, compromete a produtividade, a saúde mental e os recursos financeiros do segurado. A doutrina do desvio produtivo do consumidor, amplamente reconhecida em julgados de tribunais pátrios, ressalta que tais desgastes ultrapassam o mero dissabor, impondo sacrifícios que não são de responsabilidade do segurado, mas de quem negou o direito de maneira indevida.

A jurisprudência nacional tem endossado a responsabilização civil das seguradoras que agem de forma abusiva. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.210.205/RS, pontua que inconsistências ou omissões em questionário de risco não constituem motivo válido para a recusa de cobertura, salvo se evidenciada a má-fé ou a deliberada intenção de agravar o risco. Além disso, cortes estaduais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), reiteram em diversos acórdãos (a exemplo do julgamento do Recurso de Apelação nº 1005140-11.2015.8.26.0248) o dever de indenizar quando a recusa do pagamento do seguro automotivo se mostra infundada. Tais precedentes corroboram a tese de que o dano moral resulta da manifestação abusiva do segurador, consubstanciada na quebra de confiança e na imposição de ônus adicional ao segurado.

A condenação em danos morais desempenha não apenas o papel de reparar o dano sofrido pela vítima, mas também de prevenir condutas semelhantes, atuando como fator pedagógico no âmbito das relações de consumo. Ao impor uma sanção pecuniária, o Poder Judiciário reforça a necessidade de transparência e cautela nas análises dos sinistros, incentivando que as seguradoras procedam a investigações justas e criteriosas antes de recusar o pagamento do seguro. Por outro lado, restaura ao segurado a legítima expectativa de ser amparado justamente no momento em que mais precisa, consolidando a função social do contrato de seguro como mecanismo de distribuição de riscos e garantia de paz de espírito frente a infortúnios.

Desse modo, a negativa indevida de indenização securitária projeta efeitos que vão além do mero inadimplemento: compromete a função social do seguro, afronta a boa-fé objetiva, viola a transparência e submete o segurado a sofrimentos emocionais e despesas adicionais que ensejam reparação por dano moral. O dever de indenizar, nesse contexto, coaduna-se com a necessidade de equilibrar a relação de consumo, possibilitando ao consumidor o efetivo exercício de seus direitos e fortalecendo a credibilidade do mercado segurador, que deve pautar-se em lealdade, responsabilidade e respeito a quem contrata seus serviços.


Autor: Thiago Rodrigues Pianta

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