Sem a nota fiscal, fica prejudicado o exercício de diversos direitos do consumidor. Em primeiro lugar, o comprador enfrenta dificuldades na comprovação de propriedade, o que pode suscitar questionamentos sobre a origem do produto em eventuais fiscalizações, além de inviabilizar a revenda futura. Em segundo lugar, há a restrição ou até mesmo inviabilidade de acionar a garantia junto ao fabricante ou ao próprio fornecedor, já que muitas assistências técnicas e redes de suporte exigem a apresentação do comprovante de compra. Esse obstáculo atinge especialmente produtos de maior valor agregado ou com natureza técnica complexa, onde reparos e atualizações dependem de respaldo oficial.
A ausência do documento fiscal também abala a boa-fé e a confiança depositadas na relação de consumo. O art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor assegura ao comprador o direito a informação adequada, para que possa avaliar riscos e benefícios na aquisição. Quando tal direito é ignorado, surge a possibilidade de configuração de vício ou defeito na prestação do serviço, a depender das circunstâncias do caso concreto. Em termos de responsabilidade, o art. 18 do CDC prevê que eventuais vícios de qualidade ou quantidade no produto, bem como na documentação que o acompanha, geram dever de reparação solidária entre todos que integram a cadeia de fornecimento.
Além dos prejuízos diretos ao adquirente, o problema reflete implicações fiscais. A não emissão de nota fiscal pode configurar indícios de sonegação, afrontando o ordenamento tributário que exige a formalização do negócio mediante documentos hábeis. Tal prática não apenas diminui a arrecadação pública, mas expõe o consumidor a situações inseguras, pois a mercadoria pode ser considerada irregular em fiscalizações, e ele terá reduzida capacidade de demonstrar a origem lícita do bem. Desse modo, cria-se um ambiente de incerteza que contrasta com a expectativa legítima de regularidade na compra.
À luz do CDC, a responsabilização do fornecedor (e de eventuais intermediários que componham a cadeia de consumo) dá-se de forma objetiva e solidária, conforme art. 7º, parágrafo único. Assim, quando o consumidor não recebe a nota fiscal, cabe à empresa que participou do fornecimento do produto responder por quaisquer danos decorrentes dessa omissão, uma vez que a relação de consumo exige a proteção integral do comprador, parte hipossuficiente no negócio. A jurisprudência de diversos tribunais brasileiros reitera que a ausência de documento fiscal que inviabilize o pleno usufruto do bem ou cause insegurança justifica, em determinados casos, a condenação do fornecedor em danos morais e materiais, conforme a extensão do prejuízo comprovado.
No campo extrapatrimonial, a falta de emissão de nota fiscal pode gerar dano moral quando o comprador, além de não conseguir usufruir do produto de modo regular, é obrigado a despender tempo e esforço em sucessivas tentativas de resolver a falha. A chamada Teoria do Desvio Produtivo reconhece a possibilidade de indenização nesses casos, pois o consumidor deixa de empregar seu tempo em atividades pessoais ou profissionais para insistir na solução de um problema criado pela inobservância de obrigações básicas do fornecedor. Tal entendimento vem sendo acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tribunais estaduais, os quais distinguem a hipótese de mero aborrecimento da circunstância em que se constata nítido desgaste e frustração de direitos fundamentais.
Em suma, o fornecimento de produtos sem a respectiva nota fiscal afronta princípios como o da transparência, da boa-fé objetiva e da segurança jurídica. O consumidor, privado de documento essencial, perde direitos garantidos na legislação, expõe-se a riscos fiscais e, não raro, vê-se envolvido em embaraços para comprovar a legitimidade de sua aquisição ou acionar garantias legais. O ordenamento pátrio, ao priorizar a proteção do comprador — parte vulnerável da relação —, possibilita ao prejudicado as vias judiciais para pleitear desde a obrigação de fazer (emissão de nota fiscal ou abatimento de preço) até a reparação pecuniária por danos materiais e morais, considerando o desvio produtivo e a extensão do prejuízo concretamente experimentado. Essa abordagem reforça o dever de o fornecedor respeitar a função social dos contratos de consumo e agir com observância estrita dos requisitos legais, em benefício de um mercado mais transparente, responsável e confiável para todos.
Autor: Thiago Rodrigues Pianta